Em nosso país o uso das redes sociais é muito expressivo, e estima-se que pelo menos metade da população brasileira acesse diariamente o Facebook, sendo o Brasil o segundo país no mundo que mais faz uso dessa rede [1;2]. É também importante comentar que 5,8% da população brasileira apresenta o diagnóstico de transtornos ou episódios depressivos, segundo dados recentes da OMS³. Os números para diagnósticos de ansiedade também são altos, correspondendo a 9,3% da população brasileira.

Muitos estudos no campo da psiquiatria e psicologia nos mostram que, de maneira geral, a incidência de transtornos mentais de diferentes tipos, tanto na população mundial, quanto na brasileira, pode ser considerada alta. Cruzando essas informações, podemos inferir que certamente muitas pessoas que sofrem por esses problemas também usam as redes sociais e, sendo assim, é possível que em algum momento exista compartilhamento de conteúdos que se relacionem ao sofrimento psíquico envolvido nessas condições. Sobre o tipo de conteúdo compartilhado nas redes, é fácil observar que geralmente as pessoas fazem referência a atividades prazerosas, em que se destaca como importante demonstrar uma imagem positiva de realização pessoal e felicidade para seus seguidores. Muitos estudos já analisaram esse comportamento nas redes, em que os usuários se esforçam para mostrar quão atrativas são suas vidas [4;5]. Entretanto, nem tudo são flores.

Tem sido cada vez mais comum os usuários compartilharem outros tipos de conteúdo demonstrando alguma fragilidade, com a finalidade de obterem apoio de seus seguidores. A sensação é a de que encontrará ajuda dos amigos virtuais, já que eles podem viver condições parecidas. Não é a toa que existem vários grupos no Facebook com o intuito de oferecer ajuda através da troca de experiência. Pela grande proliferação dessa prática, imaginamos que deva ser algo edificante para os usuários. Mas, na verdade, pouco ainda se dedica ao estudo do comportamento oposto ao convencional nas redes sociais, em que os usuários expõem conteúdos mais graves, geralmente pessimistas e autodestrutivos, transmitindo uma imagem de fracasso pessoal ou intensa vulnerabilidade emocional.

Sendo algo pouco estudado, acaba também sendo pouco o quê se conhece sobre os possíveis efeitos desse comportamento específico na vida do indivíduo e de seu grupo social, composto por seus seguidores [6;7]. Entretanto, existem algumas informações e reflexões que podem nos orientar para analisarmos melhor essa questão.

 

Exposição nas redes sociais: existem efeitos negativos?

 

Em certo ponto, compartilhar angústias e inseguranças pode ser saudável e edificante, por supostamente contribuir para aspectos importantes para um bem estar mental, como a sociabilidade, autoestima, senso de pertencimento no grupo e suporte emocional. Mas certamente existem outros pontos que devem ser considerados.

Sobre o comportamento de exposição pessoal nas redes, seja positiva ou negativa, pode-se afirmar que nem sempre o conteúdo postado corresponde ao que a pessoa vivencia em sua vida real, podendo existir um distanciamento entre a imagem virtual e a real do usuário. Isso acontece justamente pelo desejo de se criar uma imagem específica, uma persona mediada pela rede social, para que os outros enxerguem o sujeito como ele deseja ser visto [4; 8; 9; 10]. Mais do que isso, alguns estudiosos da área apontam para o surgimento de um fenômeno de de “espetacularização” da vida cotidiana, em que a exibição/exaltação pessoal mostram o desejo por admiração e resposta imediata dos seguidores, através de reações de curtir, comentar e compartilhar [9].

Tem se percebido também que as pessoas dos mesmos grupos sociais tendem a se comportar de maneira muito semelhante ao usar as redes sociais, seja através de gírias, linguagem e estética das postagens ou seu conteúdo. Esse fenômeno pode ser explicado também pela resposta imediata que se obtém com as postagens, que se tornam mais propensas a se repetir, quanto mais reações de curtir, comentar e compartilhar elas despertam [7]. Também tem se falado sobre o excesso de exposição virtual da vida pessoal como um “comportamento de rebanho” na cibercultura, o que ilustra exatamente isso que se está apontando [11]. Mas, e quando o conteúdo compartilhado faz alusão mais direta e severa ao sofrimento psíquico, por meio de autodepreciação, manifestação de sintomas depressivos ou até mesmo ideação suicida? Podemos dizer que esse comportamento está sujeito aos mesmos esquemas do comportamento de postar conteúdos otimistas?

De certa forma sim. É importante refletir aqui sobre até que ponto a exposição virtual de sofrimento psíquico contribui para uma melhora efetiva da pessoa em sofrimento. Pois, na verdade pode se tratar de algo que pode também mascarar o problema de maneira imediatista e não contribuir para sua definitiva remissão ou pode influenciar o comportamento de outras pessoas nas redes sociais, seja a reproduzirem o mesmo tipo de conteúdo, ou a vivenciarem níveis intensificados de sofrimento psíquico, no caso daqueles que também estão em situação de vulnerabilidade psicológica. Todos esses questionamentos são importantes ao pensarmos nos efeitos desse tipo de exposição.

O estudo de Tavira [5], que teve como objetivos identificar e analisar elementos das interações virtuais que podem se configurar como potencializadores ou atenuadores do risco de suicídio de adolescentes,  observou que as interações virtuais estabelecidas por meio de posts autodepreciativos, não somente ampliam o potencial de propagação desses conteúdos, como também contribuem para o surgimento de comportamentos disfuncionais e mal adaptativos nos indivíduos que estão propensos psicologicamente para tal. Em outras palavras, postagens sobre sofrimento psíquico e ideação suicida podem influenciar outras pessoas a se sentirem pior, caso estejam suscetíveis a isso. Os resultados dessa pesquisa também nos mostram que os grupos populacionais mais vulneráveis à prática do suicídio são os de adolescentes, cuja interação social é muito influenciada pelo comportamento do grupo, inclusive no contexto virtual. Apesar disso, há grande ambivalência acerca dos efeitos de conteúdos sobre suicídio disponibilizados na internet. Ao passo que podem ajudar em medidas protetivas e preventivas, existem muitos dados que apontam para um maior risco de epidemias e pactos de suicídio entre os jovens [12; 13].

É sempre muito delicada a maneira como a mídia deve discutir a questão do suicídio. Existe inclusive um documento elaborado pela OMS em 2000 [14] que consiste em um manual sobre como as mídias devem abordar e divulgar esse assunto, pois existem confirmações que, de acordo com a forma com que o tema é veiculado, pode repercutir em um aumento de números de suicídios na população atingida pelo conteúdo. Os resultados de uma outra pesquisa [15], de metodologia bastante criteriosa, mostraram que o componente midiático é o terceiro maior motivador de suicídio nos 27 estados brasileiros entre 1980 e 2009, depois de desemprego e violência. As análises estatísticas do estudo mostraram que, se é aumentado em 1% a veiculação de conteúdo sobre suicídio nas mídias, a taxa de suicídio é elevada em 5,34%, o que sugere uma espécie de efeito de contágio nas taxas de suicídio, partindo da veiculação midiática do tema. Essa influência pode ocorrer não só através da propagação do conteúdo por meio da mídia tradicional, mas também pelas novas mídias compostas pela interação entre os usuários nas redes sociais.

Em função dessas informações, torna-se necessário pensarmos de maneira mais responsável o conteúdo de nossas publicações. Até que ponto é válido aderir à “espetacularização” da vida, já que as consequências podem atingir negativamente não apenas quem adere a esse estilo, mas quem está em seu grupo social virtual? Em suma, é uma questão de saúde pública atentar ao fato de que as pessoas estão adoecidas psiquicamente e que precisam de cuidados e ajuda. Assim, também é necessária a reflexão sobre o compartilhamento de conteúdos depressivos e suicidas nas redes sociais, já que talvez essa não seja a melhor maneira de encontrar ajuda efetiva. Nesses termos, o que pode ser um simples pedido de ajuda também pode carregar o peso de influenciar comportamentos autodestrutivos e intensificar o sofrimento psíquico de outros usuários das redes sociais.

 

Como ajudar?

 

Muitas pessoas questionam sobre como podem ajudar quando vêem colegas compartilhando conteúdos nas redes que fazem referência direta ou indireta ao suicídio. Nesses casos é importante lembrar de duas coisas: a primeira é oferecer-se para ouvir o sofrimento do outro sem julgamentos ou “dicas”. Não oferecer dicas é importante porque geralmente não se tem o preparo necessário para saber lidar de maneira eficiente e responsável com esses casos. Muitas vezes o que se julga como “correto a fazer” é apenas um palpite pessoal sem fundamento, baseado apenas na experiência única de quem o compartilha (e o que serve pra um pode não servir para o outro, já que não existem fórmulas únicas quando consideramos a subjetividade humana).

A outra coisa é lembrar de orientar a pessoa a buscar uma ajuda profissional em saúde mental. Pode ser apenas uma orientação ou uma condução real, acompanhando a pessoa até um serviço especializado. A vontade de ajudar mais pode ser grande, mas é importante lembrar que envolve muita responsabilidade lidar com alguém que apresente ideação suicida. Então é recomendado que a pessoa receba intervenções vindas somente de profissionais da área. A maior ajuda que se pode fornecer é ajudá-la a chegar até um profissional.

 

 

 

Paula Morillas de Holanda é Psicóloga e Mestre em Psicologia pela USP-RP, fundadora da Clínica LGBT. 

 

Referências

 

[1] Facebook (2016). Central de Segurança. Disponível em: <www.facebook.com/help/473865172623776/>. Acesso em: 21/09/2017.

[2] Baker & Fortun (2008). Understanding self-harm and suicide websites: A qualitative interview study of young adult website users. Crisis, 29(3), 118-122.

[3] World Health Organization (2017). World Health Statistics. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/255336/1/9789241565486-eng.pdf?ua=1>. Acesso em: 21/09/2017. [

4] Queiroz (2014). Caso Cibele Rosa: Uma morte anunciada em 140 caracteres. Dissertação de Mestrado. UnB. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/10095/1/2014_DanielaSantiagoDeQueiroz.pdf>. Acesso em: 21/09/2017.

[5] Tavira (2016). Sofrimento psíquico e comportamento suicida em uma página do Facebook. UnB. Dissertação de Mestrado. Disponível em <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22579/1/2016_LarissaVasquesTavira.pdf>. Acesso em: 21/09/2017.

[6] Belloni (2007). Infância, mídia e educação: revisitando o conceito de socialização. Perspectiva. V. 25 n.(1) (p. 57-82). Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/1629/1370>. Acesso em: 21/09/2017.

[7] Zaguetto (2017). Compartilhar e curtir: a publicidade de si mesmo no Facebook. Unicamp. Disponível em: <http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76542014000700004&lng=e&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 21/09/2017.

[8] Sobrinho (2014). “Meu selfie”: a representação do corpo na rede social Facebook. Artefactum – revista de estudos em Linguagens e Tecnologias. V.1, n.1. (p.120-133).

[9] Lima (2015). O selfie como expressão de moda e narcisismo contemporâneos. Moda Documenta: Museu, Memória e Design. V 2, n. 1. Disponível em <http://www.modadocumenta.com.br/anais/anais/5-Moda-Documenta-2015/02-Sessao-Tematica-Design-Moda-e-Cultura-Digital/Claudia-Cyleia_ModaDocumenta2015_O-SELFIE-COMO-EXPRESSAO-DE-MODA-E-NARCISISMO-CONTEMPORA_NEOS.pdf>.

[10] Recuero (2009). Diga-me com quem falas e dir-te-ei quem és: a conversação mediada pelo computador e as redes sociais na internet. FAMECOS nº 38, (p.118-128).

[11] Keen. (2012). Vertigem digital: por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando? Rio de Janeiro: Zahar.

[12] Hagihara,Tarumi, & Abe. (2007). Media suicide-reports, internet use and the occurrence of suicides between 1987 and 2005 in Japan. BMC Public Health, V 7, n 1, (p. 231-238).

[13] Katsumata e cols (2008). Electronic media use and suicidal ideation in Japanese adolescents. Psychiatry Clinic Neuroscience, V 62, n. 6, (p.744-746).

[14] Organização Mundial da Saúde (2000). Prevenir o suicídio: Um guia para os profissionais da mídia. Tradução disponível em: <http://abelsidney.pro.br/prevenir/imprensa.pdf>.

[15] Loureiro e cols (2013). Os efeitos da mídia sobre o suicídio: Uma análise empírica para os estados brasileiros. Texto para Discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), No. 1851. Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/91106/1/776412531.pdf>.

 

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