No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, milhares de mulheres saíram as ruas contra a proposta de reforma da previdência nacional entregue pelo Governo no fim de fevereiro. Hoje (22), novamente, diversas manifestações se espalham pelo mesmo motivo: a defesa do nosso futuro. A PEC 06/2019, proposta pelo governo Bolsonaro ao legislativo, atinge principalmente as mulheres trabalhadoras e pensionistas.

“Com certeza as mulheres trabalham muito mais que os homens, e esse aumento de idade mínima tem um impacto muito grande na saúde da mulher, na saúde física e mental”, afirma Ana Léa Martins Lobo, assistente social e conselheira estadual do CRESS-SP. A proposta atinge diretamente a população feminina ao estabelecer um único modelo de aposentadoria — em que a idade mínima para as mulheres se aposentarem passa de 60 para 62 anos e se soma ao tempo mínimo de contribuição, obrigando as contribuintes a aguardarem mais ainda para receberem o benefício.

Segundo a assistente social Nicole Araujo, diretora do CRESS-SP, “as mulheres, que são vítimas do machismo, que hoje têm menores salários, acessam piores cargos, têm a carga do trabalho doméstico, com a reforma da previdência em nível geral e a reforma da previdência municipal (em São Paulo), são a parcela que vai ser prejudicada primeiro. São as primeiras a perderem o emprego, a terem mais dificuldade de acessar os direitos, as que mais necessitam, na verdade, dos serviços públicos”. Ela acrescenta que “as mulheres têm dupla, tripla jornada de trabalho, até pela estrutura machista da sociedade, que diz que o trabalho doméstico é relegado às mulheres. É um trabalho que o Estado não vê como um trabalho que precisaria de uma atenção”.

Ampliando o olhar sobre a questão, Nicole observa que os direitos das mulheres são atendidos pelo Estado de forma muito residual, insuficiente, e que só uma parcela muito pequena da população consegue ser atendida. Isso porquê, quando se fala em reforma da previdência, dos direitos trabalhistas, em diminuir o recurso público para assistência, saúde, educação, trata-se de um ataque aos direitos das mulheres, principalmente das pobres, das negras, trabalhadoras e também das mulheres transexuais, que mal acessaram seus direitos e que ainda não contam com políticas públicas específicas.

Os reflexos da reforma nos moldes da proposta atual serão sentidos não só nos processos de aposentadoria, mas em todo o sistema de assistência às mulheres, caso de alguns benefícios assistenciais, como a pensão por morte. “Os homens ainda, na sua maioria, acabam por exercer atividade remunerada fora do lar e, quando vêm a falecer, esse benefício fica para as mulheres, sendo, muitas vezes, a sua única fonte de renda. Essa reforma propõe uma redução no valor desse benefício de quase 60%”, aponta Ana Léa, que também destaca a mudança drástica prevista para os benefícios destinados a idosas e idosos.

“Grande parte das pessoas que acessam esse benefício são mulheres. Justamente porque muitas vezes exercem uma atividade somente no lar, passam a não contribuir à previdência e acabam por não ter o direito de se aposentar, acessando, então, o benefício assistencial ao idoso. A redução desse benefício — hoje o valor é de um salário mínimo e a proposta da previdência é de redução para 400 reais — vai impactar também as mulheres idosas”, explica.

A reforma também encontra oposição das trabalhadoras do campo. Segundo Kelli Mafort, da direção nacional do MST, “a proposta de Bolsonaro penaliza as mulheres rurais, pois sabemos o quanto a mulher do campo trabalha dentro de casa e na roça. Numa sociedade machista, a exploração sobre as mulheres é ainda mais pesada que em relação aos homens”.

Atualmente as mulheres do campo podem se aposentar aos 55 anos e a proposta nivela a idade de aposentadoria para 60 sem considerar as particularidades dessa categoria de trabalhadoras. Além disso, a regra atual de 15 anos de contribuição passa para 20 anos. “Sabemos o quanto a vida no campo é puxada e que a vida útil de trabalho fica reduzida, pela penosidade, exposição à sol e chuva, às contaminações com agrotóxicos. Pobres e ricos não envelhecem na mesma idade e quem trabalha num escritório, por mais que também seja explorado, não está exposto às condições do trabalho que o campo tem”, afirma.

 

Resistência e luta

 

Representante de uma categoria profissional composta majoritariamente por mulheres, Ana Léa afirma que “é um papel também político, de assumir qual é o nosso posicionamento, de fazer o enfrentamento nas ruas, conscientizando a categoria de que é nas ruas, é na luta junto aos movimentos sociais, junto à classe trabalhadora, como um todo, que a gente vai conseguir barrar esses retrocessos”.

A luta coletiva é a principal ferramenta para a derrubada e contra o avanço dos retrocessos dos direitos sociais femininos. “A gente diz que vai resistir, que não vai abaixar a cabeça, não vai deixar que os nossos direitos sejam atacados, que as mulheres vão continuar gritando por liberdade, dizendo ‘ele não’ e não reconhecendo esse governo conservador que ataca os nossos direitos”, conclui Nicole.

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