Os desafios de quem sofre violência doméstica não acabam na denúncia para o Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, a sensação de abandono e o sentimento de solidão permanecem. As vítimas precisam de apoio para sair da situação de violência em que estão inseridas.

 

“Eu moro com um cara de 31 anos, desde que o conheci, ele bebe pinga, fica muito bêbado agressivo…De uns meses pra cá notei atitudes estranhas: chegava esse horário [a noite] em casa, ele ficava inquieto, saía, voltava louco, alucinado e me batia”. Esse é o relato de Mariana (nome fictício), interior de São Paulo, que mora com o agressor e o filho de 6 anos. “É mesma coisa de prisão, quem tem que ficar preso é ele que me bateu. Me diz o que eu faço?”

Esse é o questionamento de muitas mulheres, que não sabem a quem procurar ao passarem por uma situação de violência doméstica, e, muitas vezes, acabam buscando em grupos nas redes sociais, um lugar para desabafar, receber apoio e tentar sair de uma situação de violência. Os relatos apresentados nessa reportagem foram de mulheres, de diversas regiões do Brasil, participantes desses grupos, que relataram suas histórias e compartilharam suas angústias. Os depoimentos aqui apresentados são apenas uma parcela das histórias recebidas.

“Não tenho pra quem pedir ajuda, estou sozinha, pra onde vou, o que vou fazer, isso me questiono todos os dias… Muitas dizem que é safadeza eu estar, mas quem vai me ajudar? Ele vai preso hoje, amanhã tá solto, quem vai me garantir?”, desabafa Bianca (nome fictício), interior do Rio Janeiro, deixando transparecer sua angústia por não conseguir encontrar ajudar para ultrapassar essa situação de violência. O sentimento de solidão é recorrente nos depoimentos dessas mulheres.

Relatos como o de Mariana são comuns, e existem muitas Biancas por aí. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, as denúncias feitas pelo Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência) tiveram um aumento de quase 9% durante o período de quarentena. Desde o dia 17 de março, início da quarentena no Brasil, São Paulo registrou um aumento de 44,9% nos atendimentos da Polícia Militar do estado para violência doméstica. No Rio de Janeiro, até o início de maio houve um aumento de 50% nas denúncias de violência doméstica.

Na pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Datafolha42% das vítimas apontaram a casa como local de agressão. Em tempos de quarentena, a casa não é um local seguro para muitas mulheres.

Para Aline (nome fictício) do interior do Rio Grande do Sul, a casa não é sinônimo de segurança: “Dessa vez tive meu cabelo cortado por uma faca, e o mais triste é que na ocorrência não deu flagrante, ele segue solto. E mais não adianta esse cara que eu convivo arrombou minha casa, me torturou e não foi preso. É lamentável porque ele só irá preso quando me matar, infelizmente sinto que isso não vai demorar…Tenho 2 medidas protetivas, mas do que adianta né”, lamenta Aline.

Outro depoimento que chama atenção para essa realidade é o de Júlia (nome fictício), Rio de Janeiro. Ela contou que os sinais de violência começaram a aparecer no início do namoro, quando seu parceiro insistia no sexo, e, sem proteção. Ao longo do tempo, houve vários abusos psicológicos e ameaças. “Me humilhava sempre que eu não queria [sexo sem proteção]. Um dia chegou a me empurrar da cama quando eu recusei. Ele que sustentava tudo, falava que iria me deixar com fome, não faria compras”.

Esses são alguns dos casos por trás dos números e das estatísticas, que não param de aumentar. Elas têm nome, profissão e sonhos. Cada número que entra para a estatística é uma mulher que está deixando de sonhar, de viver e de ser ela mesma. Os desafios para quem sofre violência doméstica não estão presos dentro de casa, e a falta de não saber o que fazer, a quem recorrer, como provar, são algumas das barreiras enfrentadas por estas mulheres.

 

VIOLÊNCIA EM DADOS

 

 

Violência Em Dados

 

Os números reais de casos de violência contra a mulher não são conhecidos, visto que muitas mulheres não denunciam ou não seguem o processo de denúncia. A Lei Maria da Penha determina que após o B.O, o(a) delegado(a) deve enviar em até 48 horas, o registro para o juiz conceder ou não as medidas.

 

A DENÚNCIA

 

O Ligue 180 é um serviço público, gratuito e anônimo de denúncias, que funciona 24 horas por dia, incluindo finais de semanas e feriados, em todo o território nacional e mais 16 países, inclusive durante a pandemia. Também é possível denunciar pelo e-mail [email protected], por meio do aplicativo Proteja Brasil e pelo site https://ouvidoria.mdh.gov.br/.

Durante a pandemia, muitas prefeituras estão fazendo campanhas contra a violência doméstica em suas redes sociais, lembrando a população de que a violência não some porque (algumas) mulheres estão em casa e alertando que para denúncias: ligue 180!

Mas, não é somente a denúncia que faz a mulher sair de uma situação de violência doméstica, pois vários fatores envolvem essa situação (fatores econômicos e financeiros, ligação emocional, psicológico abalado, entre outros). A advogada Samira Pereira, especializada em advocacia para mulheres em Pelotas (RS) esclarece como funciona o processo de denúncia:

  • “De modo geral, se for caso de violência física, ameaças, agressões morais, como xingamentos, por exemplo, cárcere privado, ou demais situações extremas, a mulher deve buscar ajuda nos órgãos de proteção. A polícia militar (190), a guarda municipal (153), a polícia civil (197), são exemplos. Se a situação for urgente, sem dúvidas o melhor a fazer é telefonar para o 190 e solicitar o pronto atendimento.”
  • Quando há uma ameaça, mesmo sem flagrante, a advogada explica que também deve ser feita uma denúncia. “Não se pode esperar. Nos casos onde a mulher é vítima de constantes humilhações, por exemplo. Tendo algum tempo para se preparar, o ideal é que forme uma rede de apoio, tendo um local seguro para onde ir com seus filhos após a denúncia, objetos pessoais e documentos seus e dos filhos em mãos, até que seja concedida alguma das medidas protetivas de urgência.”

 

DEPOIS DA DENÚNCIA

 

Após a denúncia, a vítima deve ser orientada pelas autoridades sobre seus direitos e as medidas protetivas de urgência que pode requerer. O delegado, então, deve encaminhar o registro da ocorrência no prazo máximo de 48 horas, para que o juiz competente conceda ou não o pedido das medidas. Enquanto isso, se houver necessidade, a autoridade policial irá acompanhar a vítima até seu domicílio para que retire seus objetos pessoais e conduzi-la a algum local de acolhimento seguro para a mulher e seus filhos até que o agressor seja afastado do lar e ela possa, então, retornar.

A violência doméstica abala o psicológico da mulher que sofre uma agressão, seja ela física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial. O Estado deve garantir o acompanhamento da mulher, quando necessário, segundo a Lei Maria da Penha.

A advogada também salienta: “Não é fácil para a mulher atingida pela violência doméstica aceitar que está sendo vítima, afinal, as agressões vêm de alguém a quem ela ama, nutre profundo sentimento de afeto, além de haver questões de dependência emocional e econômica envolvidas. Então, é muito importante que outras mulheres, que identificam essas situações nas vidas de amigas ou familiares, constituam uma rede de acolhimento, sem julgamentos, mostrando àquela mulher que terá apoio quando necessário”.

 

MUITO MAIS QUE 180

 

Para sair da situação de violência doméstica, existem vários canais e meios de se procurar ajuda, inclusive durante a pandemia. Muito mais que desabafar, a mulher precisa de ajuda para sair da situação. “Morro de medo e agora que estou prisioneira nessa quarentena estou sofrendo muito”, lamenta Nicole (nome fictício), de São Paulo, mostrando que o isolamento social está piorando a situação de quem já sofre violência doméstica. Os canais de denúncia estão funcionando, mantendo a atendimento a vítimas e oferecendo o suporte necessário no momento.

 

 

As redes sociais serviram de base para a realização dessa reportagem, assim como os grupos encontrados nelas servem de apoio para mulheres em situações de violência doméstica. Mas muito mais do que um lugar para desabafar, é preciso de informações para que elas possam se libertar da sua situação.

Mulheres que não moram nos grandes centros urbanos também podem procurar ajuda. Inclusive durante a pandemia. Neste link, você pode ver onde procurar ajuda nos 26 estados do Brasil, seja atendimento físico ou online, além de serviços de atendimento psicológico. Nas cidades que não existem delegacias da mulher, o registro da violência deve ser feito na Delegacia de Polícia mais próxima do domicílio da mulher.

Em casos da vítima não conseguir ligar ou ir até a delegacia, também existe o https://www.mapadoacolhimento.org/, uma plataforma em que é possível entrar em contato com psicólogas e advogadas voluntárias. Também existem vários aplicativos desenvolvidos no país, para denunciar e/ou ajudar mulheres que são vítimas de violência doméstica.

 

Amanda Kuhn, estudante do 5 semestre de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e futura jornalista investigativa.

 

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