Em 1945, o filósofo Karl Popper publicou “The Open Society and Its Enemies”, obra que defende os valores da democracia liberal e critica o conceito filosófico de historicismo teleológico. Nesse mesmo livro, Popper também discursa sobre o que ele define como O Paradoxo da Tolerância.

Popper abre sua teoria com as seguintes palavras:

“Tolerância ilimitada culminará no desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até para aqueles que são intolerantes […], então os tolerantes serão destruídos, e junto com eles a tolerância.”

“Nessa formulação eu não sugiro que devemos sempre suprimir os discursos de filosofias intolerantes; desde que seja possível contrariá-los através da argumentação lógica e desde que a opinião pública os mantenha quietos, suprimi-los seria imprudente.”

“Porém, devemos reivindicar o direito de suprimi-los até pela força, se necessário; pois é provável que eles não estejam preparados para encontrar nosso nível de argumento racional, e podem começar a rejeitar qualquer tipo de argumento.”

“Ele podem proibir seus seguidores de ouvirem argumentos racionais, e ensiná-los a responderem argumentos com seus punhos ou pistolas. Nós devemos portanto reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes.”

Porém, quão relevante é o raciocínio de Popper no contexto sóciopolítico atual? O crescente protagonismo de grupos da extrema direita no cenário global contemporâneo sugere que “O Paradoxo da Tolerância” não só se demonstra atual, como mais do que nunca, necessário.

A personificação do avanço neo nazifascista se materializa na forma dos alt-right, um movimento ultraconservador e nacionalista branco americano. E em agosto do ano passado, um protesto dos alt-right demonstrou a versão prática da teoria de Karl Popper.

Ao organizarem um ato na cidade de Charlottesville, Virgínia, os alt-right reuniram as principais correntes autoritárias da direita americana, como a Ku Klux Klan, os neo-nazistas e neo-confederados. Na ocasião, os manifestantes carregavam suásticas, faziam saludos e gritavam lemas nazi-fascistas e pediam pela morte de imigrantes e muçulmanos. Alguns até carregavam rifles para escoltar os manifestantes alt-right.

Em reação ao ato, o movimento antifascista americano se organizou para impedir as ações autoritárias dos alt-right. Os dois grupos entraram em confronto violento, resultando em 3 mortes e aproximadamente 38 feridos. Na época, a mídia retratou o confronto como “dois grupos extremistas que se merecem”, igualando os antifascistas e os alt-right.

Porém, como pode-se colocar genocidas nacionalistas brancos na mesma categoria que esquerdistas cujo objetivo é impedir atos fascistas, em defesa da democracia? É uma equivalência no mínimo injusta:

 (na tirinha, o nazista diz querer matar milhões de pessoas por causa de sua raça, etnia, orientação sexual e ideologias políticas, o antifascista diz querer impedi-lo a todo custo, usando violência se necessário, e um terceiro diz não ver diferença entre os dois)

No caso de Charlottesville, os antifascistas se utilizaram do direito de não serem tolerantes com os intolerantes, como descreveu Popper em sua teoria, e por isso é incabível categorizá-los como autoritários ou antidemocráticos.

Supondo que um grupo de esquerda agisse de forma anti-democrática sem qualquer justificativa plausível para tal, seria mais do que permitido suprimi-los, afinal, a teoria de Popper não é um estímulo da violência, mas uma permissão do uso da violência em defesa da democracia.

Outro exemplo recente do Paradoxo da Tolerância é a agressão sofrida por Richard Spencer, líder dos alt-right, enquanto dava entrevista para uma emissora americana.

Na ocasião, Spencer estava discursando perante a câmera após o discurso inaugural do presidente americano Donald Trump e foi atingido com um soco no rosto por um manifestante mascarado. As imagens da agressão viralizaram.

Como resultado das agressões sofridas, das constantes manifestações antifascistas e do boicote que o acompanhavam, Spencer desistiu de continuar sua sequência de visitas à faculdades ao redor dos EUA, onde ele pretendia discursar propaganda fascista e supremacista branca.

É importante ressaltar que a violência utilizada contra Spencer e os alt-right não é universalmente aceita, assim como a teoria de Karl Popper. Porém, o discurso e a prática da mesma sempre estiveram presentes na sociedade pós-Segunda Guerra Mundial:

 

No vídeo acima, vemos uma cena de “The Blues Brothers” (1980) em que os protagonistas ameaçam atropelar um grupo de nazistas, assim interrompendo a manifestação dos mesmos, que se jogam num rio para não serem atingidos pelo carro.

A cena ficou marcada como um momento icônico no cinema dos anos 80, e não faltam outros exemplos do uso da intolerância contra intolerantes nas produções culturais e artísticas modernas: o que seria do universo de Star Wars se a Aliança Rebelde não tivesse se organizado contra o maquiavélico Império Galáctico? É condenável que Katniss Everdeen tenha se utilizado da violência para se opor a seus opressores, na saga Jogos Vorazes?

A ideia de suprimir manifestações intolerantes não é algo que surgiu recentemente. Pode-se argumentar, inclusive, que o que surgiu nos últimos tempos foi a defesa do direito de expressão de neonazistas e supremacistas brancos, em nome da liberdade de expressão.

Mas não devemos nos deixar levar por tal discurso de extrema tolerância, tendo em vista os resultados catastróficos que sofremos da última vez que permitimos a ascensão de nazi-fascistas. Não devemos estimular a existência de mais Holocaustos, mais Hitlers, Mussolinis, Francos e Geisels. Sejamos intolerantes com a intolerância, como disse Karl Popper.