Quando eu tinha 9 anos, descobri que estava perdidamente apaixonada pela minha professora de dança da igreja. Eu não conseguia tirar ela da cabeça e contava os dias para os ensaios do grupo. Uma clássica paixão platônica. Mas, ao mesmo tempo que ansiava por essas coisas bobas e infantis, me sentia extremamente culpada por esse sentimento. Uma culpa que me enchia de um medo inexplicável do desconhecido. Eu não sabia o que estava fazendo, eu não entendia e não podia falar sobre isso com ninguém. Eu era uma menina, uma criança, que estava olhando sua professora de dança, que provavelmente era uns 10 anos mais velha, de um jeito diferente. Do mesmo jeito que minhas amiguinhas olhavam e falavam sobre os garotos, algo que nunca me interessou muito.

Eu fui ter paz quando descobri que o que eu estava sentindo não era tão anormal assim, afinal, estava passando na TV. A novela Mulheres Apaixonadas estava sendo reprisada à tarde, e foi quando eu vi o primeiro casal lésbico da vida: Clara (Aline Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli). Lembro que eu e minha mãe éramos espectadoras assíduas das novelas, e aquilo me desestabilizou inteirinha. Não por motivos ruins, mas por entender que havia gente como eu. A luta das duas em ficarem juntas, o cuidado, o carinho, o sentimento e o fato da novela não esconderem o que elas eram – s a p a t ã o – me deu um novo entendimento, ainda que fosse um entendimento básico. Torcia para ver o casal a todo instante. E tudo isso contribuiu para me ver do outro lado da tela, para me enxergar.

Isso foi fundamental no processo de descobrir quem eu era. De não me culpar por gostar um pouco demais da minha professora de dança; de não sentir medo do desconhecido, do que eu não conhecia ainda; de saber que aquilo era normal – oras, estava passando na TV! De alguma forma, minha cabeça de 9 anos interpretou aquilo com naturalidade desde então. O preconceito que Clara e Rafaela enfrentavam foi suprimido pela ideia de que elas existiam, e sentiam uma pela outra o que eu estava sentindo por outra menina.

Consegui fazer as pazes com o sentimento e, eventualmente, a paixão boba e reprimida pela minha professora passou. Consegui entender de que não havia nada de errado, e que estava tudo bem. Sempre penso no poder da representatividade, e como as pessoas menosprezam isso. Em como entender o que eu estava sentindo fez diferença na minha cabeça, como isso me ajudou a não me culpar, a não me sentir tão mal por estar gostando de meninas.

Falando assim, parece que o processo foi fácil, simples e bonito. Ele foi difícil, pesado e doloroso. Descobri, por outras vias, que a vida não era como em Mulheres Apaixonadas. Existia um preconceito batendo à porta e nem tudo era tão bonito quanto às cenas de carinho de Clara e Rafaela. Fato esse que fui descobrir mais tarde, lá pelos meus 13 anos, quando a paixão por uma colega de classe deixou de ser platônica.

Entretanto, aos 13, eu me entendia melhor. Sabia, com certa convicção, que não deixaria de amar mulheres. Já tinha acesso à internet e foi aí que conheci o segundo marco na minha aceitação e representatividade dentro das telas: uma série sobre mulheres lésbicas chamada The L Word. Engoli as 6 temporadas em 2 semanas. Acompanhar mulheres adultas, bem resolvidas (as vezes nem tanto), enfrentando pequenos problemas do dia-a-dia, lutando contra o preconceito, desmistificando estereótipos e mostrando, com total naturalidade, que uma vida como mulher que gostava de outras mulheres era possível para mim, foi uma das melhores coisas que podia ter me acontecido.

The L Word me fez lidar melhor com minhas próximas paixões e entender o meu processo de sair do armário (quem assistiu, lembra da saga da Dana, uma jogadora de tênis em ascensão que vivia às escondidas com medo de perder patrocinadores). Me fez entender também a questão dos homens trans, e ainda repensar a acessibilidade de deficientes auditivos. Me fez repensar minhas amizades, e como é importante a gente se cercar de pessoas que entendam a nossa luta. A série abordava tantas coisas, de forma tão inclusiva, que a lista seria imensa para citar aqui.

Se enxergar em outras histórias faz parte do processo humano. É necessário que a gente veja e sinta que existam produtos que possam nos representar de forma empática. Filmes, séries, novelas, documentários, músicas, desenhos, fotografias, exposições etc. Não podemos negar a força dessas histórias, a força que essas histórias passam a quem recebe a mensagem. Para pessoas à margem, como eu, me sentir menos “coisa”, mais normal, fez a diferença entre manter a saúde mental e me martirizar por gostar de mulheres, sem entender que estava tudo bem. E finalmente estava.

 

Thays Amorim. Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Cuiabana, contadora de histórias e ingênua por acreditar na força do jornalismo.