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São Paulo, 02 de Abril de 2020

Queridas mulheres,

Como vocês estão nesse isolamento? Quem, como eu, fez a promessa de arranjar um amor neste ano de 2020? Quem baixou o Tinder, de novo, logo depois do Carnaval? Este momento vem me proporcionando boas reflexões sobre a vida de uma solteira, as quais quero compartilhar com vocês.

Nesses tempos de isolamento social, a última coisa que estamos pensando é se acessamos ou não o Tinder. E para quem, como eu, estava contando com a ajuda do aplicativo para encontrar o amor em 2020, já pode ficar preocupada, porque não vai rolar o “Vamos tomar uma breja e você descobre”,  “Sem foto de corpo, aperte X”, “Ficou curiosa?”, “Vem comigo e no caminho te conto”, “Litrão, vinho, em boa companhia, tanto faz” ou o “Estou procurando alguém que me tire daqui”. Pois é, tem muita gente que vai continuar presa no Tinder e sem previsão de resgate. Bem, amigas, o lado bom é que vamos ficar um bom tempo sem nos irritar clicando no X para esses poetas inspiradores que se apresentam no Tinder.

Fiz uma chamada online com uma outra amiga esta semana e, no meio de uma conversa sobre os impactos sociais do coronavírus, ela questionou: “Como vai ficar a vida de quem não arranjou ninguém? Se socializando não estávamos encontrado nada, agora lascou de vez”. Fiz silêncio, pensei e respondi: “Sim… E eu que acabei de entrar no Tinder? Estava louca para arranjar um amor para passar as quatro estações, mas achei que era muita exigência de minha parte, resolvi que queria garantir só o inverno, até porque sei que o mercado afetivo também não anda muito bem neste governo. Nem esperava muito, agora não espero nada”. Rimos de nós mesmas e voltamos para a prosa anterior.

Depois disso, fiquei horas pensando sobre se o isolamento social é, neste momento,  parte da nossa estratégia de sobrevivência, como fica a vida das solteiras? Como fica a vida de quem está passando por isso sozinha? De quem só queria um amor para chamegar e ter o coração quentinho?

Sabemos que isolamento social vai contra a natureza humana. Somos seres sociáveis, a nossa existência acontece na interação com o outro. No entanto, estamos proibidas e obrigadas a passar um tempo com nós mesmas, um tempo imerso na nossa existência individual. Isso significa que o barulho externo vai dar espaço para a introspecção e teremos de encarar nossos monstros mentais, emocionais, e não tem muito para onde escapar. Podemos baixar todos os aplicativos possíveis que possibilitem o encontro virtual, mas não é a mesma coisa, continuaremos sozinhas.

No virtual, existimos com inúmeras possibilidades de não ser quem somos. Podemos nos recriar, performar uma vida que não temos. A  vida nos aplicativos nos dá essa sensação de controle sobre como aparentamos aos outros, acho isso um perigo, vocês não acham? Penso que, quando caímos nessa, a nossa espontaneidade desaparece, a nossa verdade fica sob controle. Eu, pelo menos, me acho super desinteressante quando entro nessa.

O curioso é que todas nós dizemos por aí que gostamos de pessoas de verdade. Será? Acho que os aplicativos nos deixam um pouco preguiçosas para amar, porque, de fato, é mais simples. Eles mais parecem um cardápio de pessoas para todos os gostos. Joga para um lado, vai para o lixo, joga para o outro, match. Vocês não acham que isso nos faz ver as pessoas como descartáveis?

Recebi uma vez esse aconselho: “Senta no vaso e vai dando match. Não reserve um tempo pra isso, faça nesses momentos”. O que me fez pensar que estamos literalmente cagando para amor. Estamos cagando para a vida em suas diversas formas. Muitas de nós nem gosta tanto desse tipo de aplicativos, mas estamos todos lá investindo na ideia de consumo, próprio da sociedade que criamos, dos descartáveis.

Mas a gente também sabe que procurar um amor na vida social, na interação com o outro, dá trabalho, não é? Que canseira! O que atrapalha isso também é o fato de que aprendemos que não se corre atrás do amor. Aprendemos que devemos ficar quietinhas, porque uma hora ele vai chegar. Não entendo essa lógica até hoje. Pensem comigo: aprendemos que temos de conquistar a casa, o carro, nos realizarmos profissionalmente, pagarmos pelas nossas viagens, comida, boletos, mas, quando chega no tema amar, dizem que precisamos esperar, não correr atrás de nada que ele chegará. Deve funcionar para muita gente essa estratégia, para mim, nunca funcionou. Tive e tenho que continuar correndo atrás de tudo, inclusive do amor.

E buscar essa realização no dia a dia, encontrar pessoas, conversar e, talvez, trocar um número, exige uma disposição que, na maioria das vezes, não temos. Vejam só, na perspectiva feminina, imposta a todas nós mulheres, e que muitas de nós seguimos mesmo criticando, quando temos um encontro: temos a preocupação com a roupa que vamos vestir, perfume, aquele batom, nos locomover, gastarmos um bom tempo e energia conversando, quando se tem alguém para conversar, sorrir, se mostrar interessante, mostrar decote, jogar cabelo, etc. Já recebi este conselho: “Tem que sorrir, chama a atenção.”;  “Mostra isso e aquilo de você.”; “Bota um decote, bota um batom!”. E assim, nessa corrida para o amor, voltamos sempre de coração vazio.

Agora no aplicativo, mermã, cê é loko! É tudo muito objetivo e direto, deu match, deu super like, já mande um gif e espere. Mas não tanto, vá para o próximo. Às vezes tem conversa, às vezes não tem. Ops! Tem alguém me chamando de linda aqui, animei com a migalha do dia e ganhei disposição para ir atrás de mais. Esse aqui, vou mandar direto para o WhatsApp. Aquele ali quer conversar, bom sinal. Senta no vaso e match, match, match, match.  Você nunca sai sem nada, está sempre correndo o risco de ter um encontro. Se ocorrer, o sexo ruim é quase sempre garantido. Estar no aplicativo de fato facilita a vida, você só sai de casa com a garantia de que vai encontrar alguém e vai ter algum chamego, mesmo que sinta que não rolou química no face to face.

A verdade, mulheres, é que o aplicativo é apenas o intermediário, que nos conecta com toda sorte de gente. Quem aí nunca passou para a direita ou esquerda aquele cara exigente do “fumantes apertem X, feministas apertem X?”.  Também tem os pais de gatos e cachorros, hein?! E o que dizer dos poetas do Tinder dizendo “Sua beleza não diz nada, me mostre o seu conteúdo?” Tem os aventureiros, os mais sérios, que querem namorar, acreditam no senhor e não ficam por ficar. Tem de tudo no Tinder, para todos os gostos e na palma das nossas mãos.

Somos mulheres e homens carentes de afetos reais, de pele. Porque é disso que somos constituídos e é disso que estamos sentindo falta. Será que esse isolamento está nos ensinando o valor do contato físico? Será que depois disso iremos abandonar um pouco o aplicativo e focar nas relações na vida off-line?

Boa sorte a todos as solitárias de quarentena. Pode ser bom, pode ser dolorido, mas vai passar. Quem será você depois?

 

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